domingo, 16 de janeiro de 2011

O Festival da Primavera

Na segunda pela manhã, embora eu realmente não desejasse sair do aconchego dos braços do meu anjo, eu precisava levantar-me para manter meus dedos aquecidos e me preparar para a apresentação daquela noite. Como sempre ele me acompanhou, passou todo o tempo observando o meu ensaio e me incentivando.


Ao chegar no auditório da reitoria, fui surpreendida por um arranjo de flores frescas e viçosas sobre a mesa da coxia. Junto a elas havia um belo cartão do meu namorado: “Flores para uma estrela, a única que alcança o meu coração com sua música e retribuí o meu amor com perfeição. Você brilha em meu peito, anjo. Art” Este ritual de flores e cartões foi mantido em todas as minhas apresentações durante o festival. Cada dia uma flor diferente e uma mensagem ainda mais bela.


Eu me emocionava sempre ao encontrá-las, entretanto naquele primeiro dia além da emoção havia a surpresa. Eu me perguntei como ele conseguiu deixá-las ali, afinal estávamos juntos praticamente a cada minuto. Ele elucidou tudo, sua mãe era a sua cúmplice. Enquanto procurava as palavras certas para demonstrar minha gratidão, o meu anjo interrompeu meus pensamentos. Agradeceu pela oportunidade de ser o primeiro a deixar flores em meu camarim, em breve eu faria muito sucesso e não restaria espaço para as suas flores. Por fim esclareci que sempre haveria espaço para as flores do meu amor.


Caminhei até meu violino, procurando não olhar para a plateia, mas não resisti. Outra surpresa me fez sorrir, as vinte e duas poltronas estavam ocupadas e ainda havia o Art me acompanhando. Nos quatro dias de apresentação às vinte horas, aquele auditório estava sempre lotado e alguns espectadores voltavam na noite seguinte para o meu recital.


Todavia, quando empunhava o meu violino, me transportava a uma nova dimensão. Esquecia-me completamente da audiência e entregava-me à música. Era totalmente arrebatada pela sensação de ser apenas um instrumento moldado por uma força superior. Naqueles instantes, diante do público, eu era a música e a minha presença se justificava somente pela minha melodia.


Em minha última noite no auditório, eu estava totalmente envolvida por esta percepção: a minha vida era apenas uma expressão desta música superior, um amor pleno emanava do meu ser enquanto eu tocava e conseguia demonstrar a grandeza de estar em comunhão com algo incomensurável e repleto de luz.


Meu namorado ficava de pé sintonizado e completamente envolvido por esta luz radiante. Eu me questiono, se tudo isto não acontece por estarmos juntos, se esta sensação vibrante e profunda existe por conta da nossa união de almas. Não sei se um dia terei minha resposta, no entanto é extremamente aprazível esta percepção.


Ao final de cada recital, os expectadores se levantavam para me aplaudir de pé. Eu ficava completamente desconcertada com a situação, todos a minha volta aplaudindo e em uníssono gritando: “Bravo! Bravo!” Entre eles sempre estavam o meu tutor na universidade e o meu anjo, dois dos meus mais ardorosos admiradores.


Na sexta à noite minha apresentação foi no anfiteatro. O lugar era imenso e ao ar livre, o som fluía de forma poderosa do palco para a plateia. Tinham preparado uma iluminação especial, algumas mesas nas laterais para os professores, os meus convidados e os dos outros alunos. Meus queridos tutores, Catarina e Gilberto, entraram no camarim poucos minutos antes, cientes do quanto eu poderia estar apreensiva. Os dois elogiaram meu trabalho e disseram confiar na minha capacidade, buscando fornecer-me a força necessária para enfrentar o público.


Entretanto, quando eles saíram, uma real tensão ainda tomava conta do meu ser. Era meu único e primeiro recital diante de uma grande plateia. Na noite de gala do Festival a cidade toda se preparava animada com o evento. Era uma honra considerável ser quem fechava este espetáculo. Sentei-me no belo sofá de veludo vermelho muito apreensiva e nem notei quando Arthur entrou.


Percebendo minha aflição, meu anjo se abaixou, beijou minha fronte e disse: “Não se preocupe, as luzes do palco são muito fortes, você mal vai notar o público. Caminhe direto para o seu violino e a música vai tomar conta do seu ser! Eles vão amar, pois nem sempre podem ouvir o som do violino de um anjo.”


Eu fiquei emocionada com suas palavras, entretanto ainda me sentia nervosa com a quantidade de pessoas do lado de fora. Ao me levantar temerosa, ele me abraçou como se pudesse passar sua força para mim, envolvendo meu corpo. Apreciei o contato, sua gentileza, a sua fragrância e o seu calor, buscando absorver um pouco daquela tranquilidade tão marcante em seu ser.


Do lado de fora, por trás da cortina, vi a família do Art. A pequena Abigail sorria entusiasmada no colo da mãe. Júlia, Eduardo e Anaïs pareciam contentes e ansiosos pela minha apresentação. Fiquei realmente comovida com a sua presença e o seu carinho. Demonstrando a sua aprovação do nosso namoro, havia uma felicidade quase tangível com o nosso relacionamento.


Na mesa ao lado estavam os meus pais e o Ricardo Fernandes. Mamãe estava reclinada sobre a mesa apoiando a cabeça com as duas mãos, demonstrando sua tensão. Sua semana não foi das mais fáceis com os dois na mesma casa, durante o Festival não havia nenhum lugar aonde pudesse acomodá-lo. Tinha reservado uma casa para ele e os irmãos, mas só foi liberada no sábado.


Segundos antes de me apresentar, Arthur me puxou pela cintura, levando minhas costas a encostarem em seu peito e sussurrou no meu ouvido: “Não esqueça, o mais importante é a sua música, feche os olhos e a deixe fluir. Eu vou estar bem aqui esperando por você e ouvindo com o meu coração. Eu te amo, anjo.”


Após escutar suas mágicas palavras, enfrentei o palco com coragem e determinação, segui direto para o violino sem olhar a plateia diante de mim. Como ele falou, as luzes embaçavam minha visão e segui em frente sem hesitação.


Porém não resisti ao apelo de averiguar quantas pessoas estavam sentadas a minha frente. Apertei os olhos para poder enxergar através de tanta luz. As cadeiras diante de mim estavam ocupadas, e bem na frente estavam meus amigos. Acima, eu mal podia enxergar por conta das luzes, mesmo assim eu pude notar o anfiteatro lotado.


Eu não deveria ter olhado, fiquei ainda mais apreensiva. Procurei lembrar das últimas palavras do meu anjo, ele estava atrás de mim e eu podia sentir sua presença reconfortante. Consegui voltar minha atenção para o violino. A princípio me senti isolada, naquele palco imenso, sob as luzes fortes dos holofotes. Ao inclinar-me para pegar meu instrumento abstraí minha percepção da audiência.


Em pouco tempo a música fluía pelo meu ser, a distância da plateia foi de grande ajuda. Esqueci-me completamente de onde estava. Eu era o próprio som reverberando pelo espaço, as estrelas no firmamento piscavam para mim no mesmo tom e pareciam ressonar através do meu violino. Foi uma grande emoção perceber ser parte integrante do céu e ao mesmo tempo me sentir o próprio universo.


Ao terminar, a multidão se levantou e me aplaudiu de pé. A plateia não era erudita, então assobiavam, pediam bis, gritavam meu nome. Eu fiquei eufórica, o som do público, embora indisciplinado, fazia todo o meu ser vibrar de felicidade. Sentia o poder e a força emanando das pessoas para mim, uma energia envolvente e cativante. Voltei meu olhar para os meus pais e os encontrei de pé, aplaudindo efusivamente. Foi reconfortante encontrar os dois unidos neste momento único em minha vida. Era maravilhoso ser aclamada, todavia era ainda melhor me sentir amada.


Agradeci a todos com uma reverência e saí do palco ainda sob os aplausos do público. Eu desejava olhar para o semblante do meu amor, partilhar os sentimentos únicos daquela noite. Encontrei-o atrás das cortinas, esperando por mim com um meio sorriso nos lábios.


Dependurei-me em seu pescoço, tomada pela euforia do momento. Ele me felicitou e nem precisei mencionar as minhas impressões do palco, ficou muito claro, a nossa conexão durante o espetáculo era intensa e profunda. Art sabia de tudo, partilhara das mesmas emoções e sentiu o poder envolvendo o meu ser como um casulo de energia. A minha felicidade era a dele.


Fomos para o camarim descansar, pois eu estava um tanto aturdida com todos os acontecimentos. Mal tivemos tempo para conversar, a Abigail entrou correndo e pulou no sofá, declarando ter adorado a minha música. No entanto, disse não ter gostado muito de ser obrigada a ficar sentada num lugar só por tanto tempo. Nós rimos de sua sinceridade, entendemos o quanto deve ser difícil para uma criança saudável e ativa ficar parada.


Nós nos levantamos do sofá, sabendo ser a sua entrada uma anunciação da chegada das nossas famílias. Entraram todos com sorriso não apenas nos lábios, mas em seus olhos. Uma lágrima teimosa se desprendeu da minha pálpebra e rolou pela minha face. Procurei disfarçar e engolir o choro.


Depois de muitos cumprimentos entusiasmados de todos, nós nos despedimos e agradeci a Anaïs pelas flores. Desconcertada, explicou ter apenas enviado os arranjos de acordo com as orientações do filho, para manter a surpresa. Claro, a ideia, as flores, os cartões, tudo isto havia sido o Arthur a preparar e escolher. Entretanto, a ajuda de sua mãe demonstrou sua aprovação ao nosso namoro e seu incentivo. Por isso eu me sentia muito grata.


Meus amigos começaram a entrar, antes mesmo das nossas famílias se retirarem. Reynaldo, Felipe, Madu, Tânia e Emília faziam parte deste seleto e amado grupo. Eu queria agradecê-los pela presença, por estarem ao meu lado nos bons e maus momentos, em especial naquele instante. Entretanto não me deixaram expressar minha gratidão.


Vieram determinados a demonstrar o quanto apreciaram minha performance. A esta altura eu aceitei os elogios e o carinho dos meus amigos. Em pouco tempo estavam se despedindo, pois todos tinham outros compromissos. Então, percebi a aproximação de pessoas indesejáveis.


Eu não entendi nada quando a Francisca parou diante de mim com o Evandro bem atrás. Tânia interferiu perguntado o quê ela pretendia, enquanto Emi se irritou com a sua presença. A minha raiva aflorou com a ousadia daqueles dois. Procurei apaziguar minhas emoções, pois de nada adiantava deixar a ira envolver o meu ser.


Ela se manteve impassível e se virou para as minhas amigas dizendo ter um assunto pessoal a tratar comigo. Ainda teve o descaramento de mandá-las sair, mencionando ser um problema particular. Achei desnecessário aquilo tudo, porém não desejava confusão, em um dia que deveria ser só de glórias. Eu enfrentaria a atrevida, sentia-me forte e confiante.


Meu namorado pediu para os dois se retirarem e alterou ligeiramente seu tom de voz ao dizer: “Este não é o momento, nem o lugar adequado para a discussão de assuntos particulares. Se vocês desejam conversar com a Anita, devem procurá-la no alojamento.” Em seguida em um assentimento mudo, meus amigos saíram contrariados, mesmo percebendo ser a melhor maneira de agir diante das circunstâncias.


Francisca o ignorou completamente, sua raiva era latente e sua presença era reflexo do seu desejo de me magoar. Compreendendo isso a minha ira arrefeceu ligeiramente. Principalmente ao mencionar minha sedução do Evandro, abusando do meu jeito de menina insegura e inocente. Em sua mente deturpada, eu havia roubado o seu namorado. Estava ainda mais irritada por ele praticamente tê-la obrigado a assistir ao espetáculo. O ex-namorado estava confuso e aturdido com tudo, assim como eu.


Eu não podia ficar quieta apenas ouvindo, precisava entender e comecei perguntando quando ela havia namorado o Evandro. Ele sempre afirmou ter apenas romances passageiros e nunca chegou a ter um relacionamento sério na universidade antes de mim. Que eu saiba, eles só ficaram juntos após nós terminarmos. Quanto à presença dele no anfiteatro, eu não desejei, convidei e muito menos o influenciei a vir!


Ela começou a engolir suas palavras, parecia embaraçada com tudo e falou: “Tenho certeza, comentei com você sobre estar saindo com ele!” Realmente ela sempre me contou tudo sobre seus relacionamentos, nunca me escondeu nada. No entanto, Francisca também sabia do meu interesse por alguém na universidade, embora eu nunca o nomeasse. Confessou sobre quando nos viu juntos, sua vontade de me estraangular, mas como eu não dei indicação de estar envergonhada, resolveu entrar no jogo.


Tentei recordar cada palavra sobre os seus namoricos e percebi que nenhuma de nós chegou a mencionar o seu nome. Nunca teria namorado com ele sabendo do seu interesse, sem ao menos conversar com quem eu considerava uma grande amiga. Contudo, isso não perdoava as mentiras contadas e todo o seu fingimento durante os últimos meses. Sempre esperando uma brecha para nos afastar. Francisca se omitiu e se mostrou pouco confiável.



Ela se acalmou e se desculpou pela entrada tempestuosa. Embora, a esta altura eu não quisesse mais manter sua amizade, eu podia compreender seus sentimentos, motivações e apaziguar minha raiva. Eu a desculpei sim, mas não sou tão magnânima, ainda era impossível perdoar.


Em seguida, foi a vez de o Evandro nos surpreender, dizendo sempre ter admirado minha música. Precisava vir ao meu recital, sabia o quanto seria maravilhoso e independente de tudo, pretendia frequentar minhas apresentações sempre que tivesse uma oportunidade. Não teve intenção de me afrontar e pediu desculpas pelo arroubo da namorada. Eu fiquei totalmente inerte, não sabia como agir e apreciei quando os dois se retiraram em seguida.


Art me fez sentar e me puxou para perto preocupado com os sentimentos expostos no meu olhar. Aquela situação toda me deixou amuada, afinal perdi uma amiga por total falta de comunicação. A esta altura eu não estava com vontade de voltar à amizade, ela foi falsa e omissa por muito tempo, não existia nem ao menos a possibilidade de uma convivência. Contudo eu sentia a dor da perda e imaginava como poderia ser diferente, se eu fosse mais aberta.


Após expressar minhas sensações diante do ocorrido, ele me puxou para o seu colo e envolvi seu pescoço com meus braços. Não me importava mais com aquele casal. Tenho bons amigos, um namorado maravilhoso e a minha música é aclamada pelo público. Eu só posso ficar feliz por resolver mais um problema, colocar uma pedra por cima e iniciar uma nova etapa


Mais tarde no meu quarto, deitei nos braços do meu anjo, após comemorarmos meu sucesso com muito carinho e paixão. Mesmo assim, eu estava tensa e com dificuldades para dormir. A presença dos meus avós em minha última apresentação no auditório da reitoria me deixou apreensiva. Precisei dele afagando meus cabelos, me tranquilizando, dizendo que tudo ficaria bem, para conseguir pegar no sono e apagar.


O recital de sábado era o último do Festival da Primavera e contava com a imprensa e convidados ilustres da comunidade. À noite foi a colação de grau dos formandos e a apresentação aconteceu meio da tarde. Cheguei mais cedo com o Arthur, conversamos sobre o quanto eu me sentia pressionada com esta apresentação. Ainda havia a reaproximação com parentes, os quais não me lembrava e me ressentia pelo sofrimento causado aos meus pais e a mim.


Art perguntou se não era melhor falar com eles logo, assim eu ficaria mais aliviada e me dedicaria apenas à música, sem precisar imaginar como seria o encontro. A minha dúvida era se eu não me sentiria pior encontrando-os antes. No entanto, meu namorado assegurou: “Vai ser bom, tenha fé!”


Eu ainda estava indecisa, me sentei em seu colo, buscando seu conforto e encontrar a fé necessária. Percebendo minha ansiedade, ele disse: “Anjo, não deixe para depois. Mesmo sendo difícil uma aproximação com eles, tenho certeza, vai ser melhor para você resolver isso antes. Vou estar aqui do seu lado e sua mãe também.”


Meu anjo tinha razão e decidi procurá-los de imediato. Ainda escondida atrás do palco, avistei minha mãe conversando com um casal desconhecido. Pensei serem fãs, porém, mamãe parecia estar entrosada com o rapaz e estavam se comportando como grandes amigos, rindo e fazendo piadas.


Olhei para as cadeiras ao seu lado e vi um casal de senhores sentados, deveriam ser os meus avós. Anacleto me avisou, não viria hoje. Não pretendia se encontrar com os pais, a relação deles ainda é conflituosa. Nem sei como aceitaram a companhia da Anne?!


Minha mãe me viu e deduziu o motivo do meu receio de ir ao seu encontro. Caminhou até a mim e falou: “Posso levá-los até a coxia se você preferir, é mais reservado. Mas estão impacientes, vieram cedo para vê-la antes do recital.” Eu aceitei. Entrei no camarim buscando a presença do meu namorado para encontrar a firmeza necessária e não deixar a raiva tomar conta de mim.


Quando eles entraram, eu senti todo o meu corpo vibrar por represar emoções intensas. Pareciam tão frágeis, talvez pelas marcas da idade e seu andar moroso. Minha avó caminhava pelo cômodo com seu olhar doce e uma dose de preocupação. Meu avô era o espelho do meu pai daqui a vinte ou trinta anos. Parecia sereno e tranquilo. Minhas pernas tremeram e quase caí. Então percebi o peito do meu namorado e seus braços a me envolver, me amparando.

Ao se aproximar, Amélia pousou sua mão em meu ombro, tão trêmula quanto o restante do meu ser. Eu podia sentir a tensão naquele primeiro toque, para ambas as partes. Em seus olhos encontrei calor, amor, esperança e dor. Havia respeito pelo meu espaço, devo admitir ter sido reconfortante sua perspicácia para notar minha distância e mantê-la.


Finalmente, entendi o porquê da mamãe não culpar a prima e tê-la perdoado; minha avó exalava bondade, ternura e sensibilidade. Sorri em reconhecimento e a minha frente, notei Anne em consonância com minha atitude.


Com a aproximação do meu avô a minha raiva aflorou, foi ele quem separou meus pais e afastou-me da minha mãe. Eu o culpava por destruir meus sonhos, minha infância, minha família. Por todo sentimento de rejeição pelo qual passei quando criança. Então percebi, eu o transformei no bicho-papão, por isto mesmo, olhar para ele me angustiava e revoltava.


Senti um conforto inesperado com o seu toque rápido e sutil, procurando pela minha mão. A imagem de malfeitor se dilui com este contato. Arthur estava certo, os sentimentos negativos teimavam em se esvair, como se sua presença os curasse pouco a pouco. Eu estava mais disposta a entender as suas motivações. Embora nada explicasse sua atitude para com a mamãe, e isto continuava a me angustiar!


Em seu semblante encontrei os mesmos olhos lilás do meu pai e de quando vejo meu reflexo no espelho. Seu brilho irradiava amor. Minhas emoções se misturavam entre a fúria e a compaixão. Eu estava em meu limite, prestes a me entregar aos sentimentos intensos e confusos borbulhando em meu interior. Não conseguiria fitá-los por mais tempo mantendo minha atitude reservada, não era o momento adequado para extravasar tudo. Eu precisava resguardar-me para o recital.


Minha mãe estava atenta às minhas emoções e se dirigiu aos meus avós. Explicou o quanto era importante para um artista ter um instante de isolamento e concentração antes de uma apresentação. Era hora deles se retirarem e pediu um tanto desconfortável para saírem.


Meus avós se afastaram abalados com o encontro, pareciam querer falar e explicar muito mais, no entanto respeitaram o meu desejo. Pouco antes de acompanhá-los, Anne me agradeceu por recebê-los e cumprimentou-me por sustentar a tranquilidade necessária para confrontá-los.


Senti-me vitoriosa pela serenidade conquistada. Revelei ao Arthur todos os turbilhões emocionais envolvidos neste encontro. Apreciei-o por me instigar a aceitar a presença dos meus avós e pelo novo aprendizado, como sempre ele era minha âncora, meu porto seguro. O melhor foi observar meus monstros de perto e notar que na realidade são apenas seres muito frágeis.


Meu anjo acariciou minha face, feliz por me ver enfrentar mais uma etapa com coragem. Entretanto enfatizou o quanto era importante canalizar estas emoções. Se não foi possível perdoá-los e retribuir o afeto palpável em seus olhos, era preciso transformar esta raiva em força para superar tudo isto num próximo encontro. Art sabia, agora que me descobriram, eles não desapareceriam da minha vida.


Sorri, não poderia corresponder as expectativas do Arthur, estava muito distante da perfeição. Ele era o verdadeiro anjo. Eu poderia estar prestes a perdoar meus avós, entretanto esta redenção vinha de uma necessidade egoísta da minha parte. Desejava deixar de lado as mágoas do passado para construir uma vida plena e inteira, renascida. Ele riu e falou: “Isto não é egoísmo, anjo, é amadurecimento!”


Depois de esvaziar um pouco a minha mente das emoções fortes deste reencontro com a ajuda do meu namorado, observei-o caminhar até a sua cadeira. Os últimos espectadores estavam sentando e mais uma vez o auditório estava lotado, era hora de começar meu recital.


Caminhei até o meu violino sem olhar para o público. Eu não queria encarar os meus avós, receando deixar escapar os sentimentos represados até então e perder minha concentração.


Ao tocar, deixei a música apagar todos os acontecimentos dos últimos dias e me entreguei novamente ao poder curativo do ressonar das notas. Naquele instante, era apenas eu, meu violino e o som celestial fluindo para o meu interior. Ele extravasava pelos meus dedos e os movimentos do meu arco se transformavam em notas e acordes. Quando estava praticamente no final, não resisti a abrir os olhos.


Como eu esperava, o Art estava sentado a minha frente, apreciando cada momento. Vivenciando tudo em sintonia comigo, como só ele podia. Meu anjo não era um fã ou um apreciador do meu trabalho. Finalmente compreendi, Arthur era parte da minha própria música, como fazia parte do meu próprio ser.


No meu último acorde, as pessoas se levantaram. A insegurança falou mais alto e ao devolver o violino para o suporte, me perguntei: Será que me deixei amargurar pelo encontro com meus avós e extravasei a raiva ao tocar? E se todos forem embora sem ao menos aplaudir?


Na verdade, o público me rodeou, todos estavam comovidos com o meu desempenho.
Uma semana tocando para uma plateia e fiquei dependente do seu reconhecimento. Notei o quanto era importante emocionar as pessoas com a minha música. Estes dias de festival me abriram os olhos, eu respiro o som do meu violino, no entanto me alimento da audiência e espero verdadeiramente nutri-los com minhas composições.


Foi reconfortante sentir o calor das pessoas a minha volta. Demonstraram seu apreço ao recital, aplaudindo de pé e gritando: “Bravo, bravo!” Eu me senti aliviada, havia deixado a amargura de lado e toquei como sempre, com o coração aberto. Olhei para o meu anjo, feliz por ter conseguido vencer mais uma etapa. Eu queria correr para ele e mergulhar em seus braços, para poder afogar todos os sentimentos conturbados que teimavam a envolver meu ser.


Ainda não era o momento certo. As pessoas desejavam congratular-me, a primeira a se aproximar foi a Professora Catarina. Estava muito sensibilizada e disse não ter palavras para descrever a perfeição da minha apresentação. A cada audição do meu trabalho, ela se comove ainda mais. Embora, vindo de mim, nada mais a surpreendesse. Fiquei encantada com suas palavras.


Em seguida, o meu tutor fez questão de salientar ter adorado o espetáculo no anfiteatro na noite anterior. Comentou seu entusiasmo em ter uma pupila tão talentosa e dedicada como eu. Ele não tinha dúvidas sobre eu ser uma artista completa e disse acreditar ser o momento perfeito para eu começar minha carreira nos grandes palcos. Suas palavras me deixaram atônita e muito feliz.


Minha mãe veio me apresentar o Marley*, ela conhecia o trabalho da Hell’s, a banda de rock do rapaz. Ele a reconheceu logo ao entrar no auditório, afinal Roxanne é famosa no mundo todo. Com muito em comum, os dois se aproximaram, Anne comentou orgulhosa sobre eu ser sua filha e ele pediu para ser apresentado.


Eu apertei a mão do rapaz, agradeci por estar disposto a apreciar a minha música e ser introduzido num mundo tão diverso do rock. Ele sorriu e disse ter sido obrigado pela namorada a me ouvir ontem no anfiteatro, mas hoje, fez questão de voltar a me escutar. Eu fiquei orgulhosa por captar a sua atenção.


Admirei-me quando comentou sobre eu tocar com a alma e ter o dom da música. Gostaria de me ouvir tocando rock com o violino, tinha certeza, meu som seria ainda melhor. Eu sorri surpresa, isso nunca me passou pela mente. Não sei bem o motivo, mas me pareceu uma boa ideia e penso em me aventurar por novos caminhos.


Sua namorada me cumprimentou e comentou como foi maravilhoso presenciar minha performance pessoalmente, dois dias seguidos. Segundo ela, meu som é divino e profundo como a minha essência, contemplou a minha música como há um encontro com o transcendente. Ela provavelmente gosta do Jung, exatamente como o Art!


Quando o casal se afastou, meu avô nem me deu tempo para colocar a minha armadura e se aproximou de mim com um beijo entusiasmado. Mantive um sorriso passivo em meus lábios, na verdade tive vontade de empurrá-lo. Ainda não estava pronta para tais demonstrações de afeto.


Minha avó percebeu ser a oportunidade perfeita para me dar um beijo amoroso. O sorriso permanecia congelado em minha face. Mesmo não conseguindo sentir raiva dela, eu não estava disposta a ser objeto do seu carinho. Eu precisava primeiro colocar em ordem minhas emoções.


Feliz por não ser rejeitada, me convidou para almoçar com eles no domingo. Ela falou das várias fotos minhas de quando era bebê e do quanto gostaria de me mostrar. Era o seu método para manter vivo nosso contato e buscar uma maior aproximação.


Aceitei, pois precisava enfrentar logo os dois, afinal meus avós não eram monstros. Mesmo assim, perguntei se poderia levar o Arthur. Amélia notou minha manobra, não ficou contente, porém incluiu meu namorado no convite. Eu precisava do meu companheiro, assim teria menos dificuldade para lidar com eles e extravasar todos os meus sentimentos: raiva, fúria, dor, medo... E no final teria quem me carregasse para casa.


Após me desvencilhar de todos, saí com o Art em direção ao alojamento. Bastava atravessar a rua para chegar a nossa casa. Entretanto, nunca foi tão difícil... Gotas quentes saltavam dos meus olhos e rolavam pela minha face. O meu anjo me fitou preocupado, primeiro por notar minha imobilidade e depois por observar meu rosto banhado em lágrimas.


Atencioso e sensível, sabia das minhas motivações para estar chorando. Virou-se para mim procurando confortar-me, segurando minha mão diante do meu coração, disse: “Vai passar, anjo. Eu te amo e vou estar sempre ao seu lado! Com o tempo tudo se resolve.” Além das palavras, senti o calor de sua mão e o conforto da sua presença, o amor presente em seu toque. Sua essência a me acordar e mostrar o verdadeiro sentido da vida.

*Marley King é um personagem criado pela pmattos (P@h) para "Quem é essa Garota" e "Ônix". Se quiserem conhecer mais: http://pmattos-onix.blogspot.com/



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7 comentários:

  1. Enfim os avós.. Meu eu nem sei se seria capaz de alguma coisa a não ser sentir raiva.. =/

    Sorte da Ani ter o Art sempre perto dela a apoiando em tudo..a Francisca é louca ou oq? Entra afrontando depois vem com conversa mole...affe' teria soltado a mão na cara dela, e olha q nem sou violenta... aushauhsuahushuahsuh
    Lindas fotos e linda a escolha da musica tbm.
    Ahhhhhh!!! esqueceu de apresentar a namorada do Marley Mita... fiquei curiiosa, faz de conta que eu não sei quem é. =D
    Ah e nem tem pq se desculpar, agora fico imaginando carregar 74 fotos uma a uma... nem deve ter dado trabalho.. o.O


    Bjos Mita!!!

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  2. Oiii, tia Mita!! Fiquei preocupada por você não ter postado no dia, ainda bem que foi só cansaço. E nem precisa pedir desculpas, sem problema, ainda mais depois de todo o trabalho para postar.

    Eu nem preciso dizer que o Art é um fofo, né? Sua companhia é mesmo fundamental para a Ani. *-*
    Que bom que agora ela está conseguindo superar todos os seus fantasmas e medos, mas infelizmente isso significa que a história se aproxima cada vez mais do fim... :(
    Nem quero imaginar isso, pois ela é muito especial e consegue me prender tanto, parece que é a primeira vez que estou lendo!

    Adorei a escolha da música e imaginei a Ani tocando. Ela estava linda em todos os dias de apresentação e é normal o pouco de insegurança que ainda lhe resta, como no final da última apresentação. Queria estar lá para aplaudi-la.
    Tsc, sem comentários para a Francisca, pelo menos no final ela acabou se tocando... Quantas emoções de uma vez só a Anita viveu, hein?
    Ah, adorei também a presença dos convidados especiais... Também fiquei curiosa pra saber quem é a namorada do Marley, que parece um amor de pessoa, haha.
    E agora espero ansiosa para o encontro com os avós.

    Amei, Mita! Beijo.

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  3. Semana tensa a dessa menina! O.O
    Difícil não desmoronar, creio que isso só não aconteceu porque Art estava ali mais uma vez, a amparando.

    Música muito linda mais uma vez...

    Sem coments para a Fran... Já deu, né? ENGOLE o Zumbi, e para de encher è.é.
    Ok, preferia que fosse eu o engolindo mas infelizmente não tô lá... =/

    Amo!
    Bjks

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  4. O Art é um fofo! Se nós, pobres mortais nos apaixonamos por ele, fico imaginando o tamanho do amor que a Ani deve sentir.
    Pois além de conviver com toda a gentileza, inteligência e dedicação, ainda pode usufruir do conteúdo! Omg, garota de sorte.
    Sorte porque merece! Afinal é tão meiga, inteligente e gentil quanto o Art, por isso são perfeitos juntos. *--*
    Amei Mita <3

    Beijos mil
    ;*

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  5. Deh,
    Sem o Art, talvez ela não soubesse lidar tão bem com a situação.
    Na hora da raiva a gente fala um monte de coisas e depois, quando te mostram que você tá errada, caí na real... Francisca nunca foi má pessoa, teve atitudes erradas com a Ani, mas nada muito diferente da maioria das mulheres apaixonadas por aí!
    Não apresentei por que quem conhece sabe muito bem quem é! rsrsrsrsrsrs

    Dindi,
    Pois é, o Art tem dado muito apoio. Anita foi sortuda em descobrir alguém como ele! Eu gostei muito da música, lembra a fase que ela estava no início do semestre, quando estava em dúvida entre o Evandro e o Art...
    Fran agiu como boa parte das mulheres apaixonadas, sem pensar direito. Às vezes uma simples conversa e sinceridade mudariam tudo.
    Quem será esta ótima pessoa? lalalalalala

    Pah!
    Realmente passar por momentos difíceis fica mais fácil quando temos um companheiro como o Art.
    Ela está engolindo, literalmente... E parece que não quer parar! Já ele...

    Carol,
    Pois é... Impossível não amar alguém tão dedicado como ele. Ela passou por poucas e boas, mas sempre determinada a ir em frente, isso ajuda na hora da "recompensa".

    Obrigada mais um vez, não canso de dizer, pelo apoio, dedicação, amizade e carinho!
    AMO VOCÊS!
    bjosmil! *.*

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  6. Big moment! *---*
    Rickie foiii!!! uhuuhu

    Evandro foi! *w*
    Triste fato foi ter ido acompanhado da bruxa loira barraqueira. ¬¬'
    Evandrooooo... Aiiiin, te perdoo por ter sido um completo idiota! Só não perdoo o seu atual mau gosto por mulheres. PQP ÒÓ

    Modelitos impecáveis da Ani!!

    AHHHHH!!
    MARLEY, MITA!
    NÃO CREIO!!!
    AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH

    Tensão pura esse encontro com os avós.
    Não sei se teria a mesma força que a Ani.

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  7. Foi sim! Causando mal-estar pra Roxie! rsrsrsrsrsr
    Evandro foi com a Fran, e acho que assim ficou mais claro os erros e acertos entre os dois. É só carência...
    Ani tem uma mãe rica! hahahahahaha
    Ah! Foi uma homenagem a QEEG! :}
    Eu sei que eu não teria! .-.

    bjosmil! *.*

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